recomendações comentadas #5
sovar manteiga | sínteses perfeitas | pensar e discutir jornalismo | fogo baixo na motim
Revisitei notas avulsas que eu havia guardado entre setembro e janeiro e selecionei as que eu achava que melhor se conversam quando falamos em ofício. Mãos e cérebro executam juntos todas as tarefas humanas. Fazer uma manteiga. Escrever sobre essa manteiga. Analisar o texto escrito sobre a manteiga. Fazer, escrever, analisar: o trabalho humano é diverso e está em toda parte.
Por fim, uma nota sobre a feira Motim, que será nos dias 6 e 7 de maio em Brasília, em que a fogo baixo estará vendendo fanzines, cartazes e panos de prato. Na feira ou na nossa loja on-line vocês podem conferir o ofício que executamos juntos eu, Rafael Ancara e Marcelo Andreguetti.
SOVAR MANTEIGA
[áudio em inglês e francês, com legendas em inglês]
Jean-Yves Bordier é um francês que produz manteiga na região da Bretanha.
Seu bureau usa o método de malaxage do século 19, em que a água é tirada da manteiga não por uma centrífuga, e sim por uma esteira circular em que a massa é pressionada por uma roda dentada de madeira. Durante esse processo, a massa é dobrada à mão, para novamente ser achatada pela máquina, até expulsar o máximo de umidade da
Bordier chega a dizer que, madeira ou metal, tanto faz o material a ser usado na malaxage, o importante é a repetição do movimento mecânico. "Mas é mais agradável, é mais bonito assim [com esteira e roda dentada de madeira]. Coisas bonitas são importantes", defende. Concordo.
SÍNTESES PERFEITAS
[em inglês – use a opção 'traduzir página' do seu navegador]
A Vittles é uma das newsletters sobre alimentação e gastronomia mais festejadas da língua inglesa. Eles publicam ensaios, artigos e outros textos de colaboradores (todos pagos), selecionados anualmente. E é lá que encontro abordagens e encadeamento de ideias invejáveis, o que mostra um bom trabalho do editor, seja na seleção de propostas, seja em pequenas interferências que melhoram o texto. É verdade que não leio todas as edições, mas as duas citadas abaixo me marcaram. Agora, elas estão disponíveis apenas para assinantes (em libras!).
Os trechos abaixo trabalham sínteses deliciosas, ainda que eu discorde da argumentação, e foram extraídos quando os posts ainda eram públicos. A tradução é minha.
O estado da crítica britânica de restaurantes (agosto de 2020)
A crítica de restaurantes não é como a crítica de arte. Não importa onde você assistiu a um filme ou se leu um livro em Londres ou Tóquio. Mas importa onde está um restaurante. Restaurantes e sua crítica são inseparáveis do lugar – é por isso que os mais perspicazes críticos gastronômicos escrevem, na verdade, sobre cidades. Se há algum poder ou importância na crítica gastronômica, seria a habilidade de dar forma e de manejar narrativas sobre uma área, uma cidade, uma rua ou um prédio; ou, no caso de Brixton, um bairro predominantemente negro e latino, de classe trabalhadora, só foi notado com a chegada de restaurantes europeus.
Mas o que é mesmo um kebab? (agosto de 2021)
Vejamos as conclusões até aqui. Um kebab é um prato de carne grelhada (um shish kebab), que não precisa ser grelhado (um galouti kebab) ou realmente feito de carne (a triste combinação de cogumelo-abobrinha-pimenta vermelha que seu pai preparou rapidamente para o namorado vegetariano da sua amiga). É cozido no espeto (pirzola, kaburga), mas também pode não ser cozido no espeto (um kebab Wigan) ou nem mesmo cozido (kebab cru seekh). Muitas vezes é servido no pão (kebab enrolado), envolto em pão (um beyti) ou no pão (kebabs iraquianos), mas às vezes não há pão (yakitori). Neste ponto, podemos concordar que um kebab é algo que se come; mas talvez nem nisso nós possamos concordar.
Conclusão: todas as comidas que existem são kebab.
PENSAR E DISCUTIR JORNALISMO
A newsletter do Farol Jornalismo tem um conteúdo fresco semanal que se debruça sobre o fazer jornalístico em muitas frentes – financiamento, práticas, experimentações, novidades, discussões éticas. Recomendo aos jornalistas, claro, mas talvez assuste aos não-jornalistas a quantidade de conteúdo e diferentes questões específicas por edição.
Na mesma linha de pensar a profissão e compreender a rotina de profissionais de diferentes áreas, o podcast Vida de Jornalista, do Rodrigo Alves, é um companheiro frequente por aqui. Por enquanto, o programa está na entressafra, mas recomendo ouvir a série Memórias (13 episódios até agora) e os episódios de bastidores sobre outros podcasts feitos por jornalistas. O meu preferido até hoje é, claro, o que fala sobre texto. Inclusive, A Jornada do Texto é um dos materiais extras do meu curso Como Escrever Sobre Comida.
Vale ouvir o Rodrigo na condição de entrevistado também: ele participou do podcast Budejo (outro que gosto muito de acompanhar) em outubro, no episódio #133 Todo mundo precisa entender de jornalismo.
Gostaria de encontrar uma newsletter ou podcast que fosse assim, meio observatório, meio ombudsman do jornalismo gastronômico. Se você conhecer, conta pra mim nos comentários!
FOGO BAIXO NA MOTIM
Em maio estarei em Brasília com os produtos da fogo baixo na feira gráfica Motim! Eu, Rafael Ancara e Marcelo Andreguetti estamos trabalhando em uma nova edição do fanzine, novas estampas para cartazes e panos de prato, e alguns testes para outros produtos.
O evento será nos dias 6 e 7 de maio (sábado e domingo), na Galeria dos Estados. Bora?
Ah, importante: não vamos reimprimir nenhuma estampa do tema café. Então o que há em estoque, à venda na loja on-line, são as últimas peças.
A FOGO BAIXO VOLTOU?
Sim, mas depende.
A newsletter voltou em marcha lenta. Já a loja está a todo vapor.
Os programas de aceleramento e crescimento da Substack incentivam manter uma periodicidade de um post a cada 15 dias, no mínimo. Notei que, pelo menos para a audiência brasileira, o consumo de newsletter é muito diferente do que nos EUA, ainda que esteja mudando. E eu, que quero publicar textos longos, sei que eles disputam tempo e atenção com outros conteúdos da internet, mais propícios para telas.
Não definirei mais uma periodicidade para publicar, nem me cobrar para publicar em determinada data. Até agosto do ano passado, a prioridade era manter a news com uma reportagem ou ensaio mais uma entrevista por mês; um esforço monumental em alguns meses. Não à toa, 2022 foi o ano em que mais fiquei doente.
Então a gente se fala. A newsletter continua, mas em segundo plano. Por enquanto, revisite os textos antigos, comente, amplie o debate. Eu vou adorar conversar com vocês.
Senti uma paz imensa assistindo esse vídeo, ouvindo esse senhor falar sobre manteiga. A beleza importa. Obrigada por compartilhar Flávia!